quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A Caçada

D'us sabe o quanto eu odeio lagartixas. Simplesmente não sou capaz de conviver com esses bichos.

É um medo pavor adquirido inconscientemente na infância por influências externas. Não tem como controlar.

Pois bem. Há duas semanas eu estava pronto para encarar um plantão. Acordei de madrugada e enquanto mijava uma lagartixa imensa sai de baixo do armário e volta.

Fiquei em pânico, mas precisava tomar banho então fiz um trato. Fica na sua que eu fico na minha. Tomei um banho gelado e rápido e fui me trocar na sala.

Ao voltar, porque afinal de contas eu precisava escovar os dentes, ela estava na parede, dentro do box do chuveiro. Não pensei duas vezes e taquei detefon no monstro.

Ela se enfiou atrás da prateleirinha onde ficam os shampoos. Foi meia lata de mata moscas ali.

Fechei o banheiro enevoado de detefon e fui terminar de pegar roupas no quarto para levar para a academia.

Quando cheguei de novo pra cozinha ela já estava ali. Debaixo da porta do banheiro. Ao me ver a filha da puta disparou e foi parar debaixo do armario da cozinha. Maldita. Mais detefon.

Batalha perdida. Saí de casa no meu horário. Tranquei a lagartixa na casa fechada sem ventilação nenhuma, sem umidade. Mas ela me acompanhou. Não saia dos meus pensamentos.

Chegar em casa e terminar de lidar com a questão me deixou tenso, me assustava com qualquer coisinha. Até com um borrachinha do box do banheiro da academia eu congelei.

Quando cheguei em casa, eu tinha certeza que ela estaria em um lugar bem visível para a gente continuar a nossa caçada.

E de propósito como se estivese a fim de me atormentar, lá estava ela no chão. Perto da porta. Me esperando. Inerte. Esbaforida. Fraca. Desidratada. Morta.

Tomei coragem para entrar em casa. Lidar com um cadaver seria mais fácil. Era só me livrar dos medinhos e dos nojinhos, pegar uma vassoura, uma pazinha e pronto. Só que a demonia não estava morta.

Quando a porta bateu atrás de mim, a lagartixa deu um pulo para frente no mesmo instante em que meu coração veio até a boca e voltou para o centro do peito.

Não pensei duas vezes. Agora você sai daqui. Peguei a vassoura e tentei tocar a fia para fora. Mas como a vida não pode ser simples e fácil ela foi para a sala. Atrás do sofá.

Nunca mais eu vi a bicha. Me desesperei. Tirei todos os sofás dos seus respectivos lugares a mesinha de centro foi para cima da minha cama. Sala virou uma zona de guerra.

Balancei as cortinas. Espirrei mais detefon por toda a extensão atras do sofá. Munido com uma vassoura eu nem sei como mas consegui até levantar o sofá maior e mais pesado. Nada da lagartixa que se camuflou em algum lugar.

Posterguei meus planos. Não li. Não comi. Não liguei a TV. Lagartixas são conhecidas por darem as caras em momentos de silêncio. Quando não se sentem ameaçadas. 

Fiquei um tempo em silêncio então até que ela apareceu. No chão novamente. Do lado de uma mesinha de telefone ao sul do sofá.

Tentei acertá-la com a vassoura. Porque a essas alturas ela já estava aparentemente fraca. Tentei empurrá-la para fora. Mostrar que ela não era bem vinda quando ela deu uma cambalhota em 180º e saiu em disparada na direção oposta.

Daí quem se desesperou fui eu. Ela estava correndo em direção ao meu armário e à minha cama. Seria muito mais dificil tirá-la de casa se ela tivesse conseguido.

No meio do caminho invoquei forças divinas e entendi Davi. Pelo amor de Deus. Zap. Com um golpe de vassoura eu acertei meu nemesis. Seu rabo se separou de seu corpo. E ela presa tentava se soltar. Enquanto sua cauda pulava e tremelicava como se fosse um celular em vibracall eu apertei a vassoura contra ela e a arrastei para fora de casa.

Foi uma morte horrível. Ter sido arrastada por um algoz. A cabeça ficou ralada. Gosminhs marcaram o caminho da dor e do suplício da desgraçada.

Mas não era esse o fim que eu queria. Pra começo de conversa não era nem para ela ter invadido o banheiro. Não era nem pra ela chegar perto de mim.

Não que sirva de consolo, mas ao menos o funeral dela foi bonito. Não cheguei a enterrá-la porque era demais. Não gostava dela viva, não ia virar fã depois de ela ter morrido. 

Arrastei ela até o cantinho do quintal onde ficam as sujeiras antes de irem para o lixo. Ainda tive que dar golpes de misericórdia para ela parar de agonizar. E ela foi coberta por poeiras e pétalas de rosas.

Só que o fantasma da lagartixa tem me perseguido. Desde aquele sábado que eu fico pensando na vida e na finitude, nas circunstancias e nas ocasiões, nas coincidências e no carma.

Eu realmente não queria que acabasse assim.

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